Estou deitada no sofá da sala, de frente para a réplica do quadro A
Última Ceia do Leonardo da Vinci feita daqueles panos com os quais são feitos
os tapetes. Estou eu aqui, escrevendo isto para contemplar o meu bloqueio
criativo.
Passei dois dias criando personagens para escrever uma história de sete
capítulos, mas não consegui escrever nem duas linhas.
Nunca consegui escrever nada mais do que contos. Não sou muito criativa,
acredito que isso seja resultado da minha própria falta de experiência na vida,
falta de vida social, coisa que eu não posso dizer que tenho.
Li em
alguns sites que escrever sobre o próprio bloqueio criativo nos ajuda a superar
essa fase. É o que estou fazendo agora, mas não acredito que vá me ajudar, até
porque isso não é apenas uma fase, é coisa do cotidiano.
Algumas pessoas dizem que sou inteligente e criativa. Besteira!
Só posso dizer que sei enganar bem. Posso fingir que sei muito sobre
coisas que não sei. Para mim essa é a minha única e melhor qualidade.
Tem coisas que eu gosto de apreciar, mas não de fazer.
Para mim a madrugada é a melhor hora para apreciar o que eu gosto. Gosto
das madrugadas, pois elas são solitárias.
Eu amo a solidão. Não tenho medo de acabar sozinha, sem marido, sem
filhos. Aliás, uma coisa que não quero é me casar, porque casamento dá
trabalho. Tenho péssimos exemplos disso. Eu não conheço uma pessoa que diz ser
feliz no casamento. Acabei pegando trauma...
Tem muitas coisas que aprecio, e que gostaria de conhecer melhor, mas
nunca sei por onde começar. Acabo dando um jeito depois de muito tempo, quando
nem tenho mais tanto interesse naquilo mais.
Eu gosto de aprender coisas, mas só coisas do meu interesse. Tenho a
cabeça fechada para aprender coisas que não me parecem interessantes. E também
desisto muito fácil das coisas difíceis, sempre vou pelo caminho mais fácil. É
o meu principal defeito.
Para falar a verdade, algo que faz parte da vida, mas que eu não tenho
são os objetivos. Às vezes gostaria de ter nascido gorda, feia e com complexo
com a própria aparência, porque assim eu teria um objetivo. Mas eu estou
satisfeita comigo mesma e com a minha vida, tão satisfeita que não tenho nenhum
tipo de complexo, então não tenho objetivos.
Acredito que os objetivos nos fazem ter garra, para percorrer qualquer
caminho para conseguir o que queremos. Eu também quero ter um objetivo.
Além da minha falta de objetivos,
algo que me incomoda é a minha dificuldade em me interessar pelas coisas e
pelas pessoas. Por exemplo, eu não sei se sou capaz de me apaixonar. Eu já
tenho quase 16 anos, na minha idade as garotas já estão se apaixonando ou já se
apaixonaram por garotos (ou até por garotas, no caso das lésbicas). Mas eu não
me apaixonei por ninguém ainda, só tive algumas vibrações que duraram segundos,
depois nunca mais. Para mim é indiferente. Eu não dou a mínima em ter uma
pessoa para amar e nem para ter uma pessoa que me ame, tanto faz.
Uma coisa que eu gosto é dinheiro. Acho que puxei isso para a família do
meu pai. Não quero ter dinheiro para comprar várias coisas. Aí entra de novo o
meu desinteresse. A maioria das garotas adoram comprar roupas e sapatos, eu já
não vejo graça. Pra mim as roupas são todas iguais. De qualquer maneira, até
para as coisas que eu gosto eu sou desinteressada, tipo, para os filmes. Eu
gosto de comprar filmes, mas não ligo se não compra-los. Eu posso pegar eles no
carrinho da loja e depois devolver, sem pensar de novo nesses mesmos filmes.
Mas voltando ao dinheiro. Eu gosto de saber que tenho muito e que não
vou passar dificuldades na vida. Enfim, mas gostar de saber que tenho muito
dinheiro não garante muita coisa, porque é meu pai quem controla o dinheiro da
casa, eu não sei como a situação está.
Tenho medo de morrer na
miséria, ter que pedir esmolas e tal. Sempre que eu vou dormir penso nessa possibilidade.
É uma das poucas coisas das quais tenho medo.
Outra coisa que me faz ter medo são as doenças.
AIDS, alzheimer e câncer são as doenças que me deixam mais aterrorizada.
Vou explicar o porquê:
Eu comecei a ter medo da AIDS porque a minha mãe, que é a pessoa mais traumática
que conheço, começou a encher a minha cabeça de coisas quando eu ainda era
pequena. Lembro que um dia nós fomos em uma loja, e eu pedi água. A minha mãe
ficou bem incomodada com isso e me deu um olhar bem assustador. Depois a moça
trouxe a água, eu bebi, e nós fomos embora. Quando saímos da loja, minha mãe me
disse: “Sabe por que eu não queria que você pedisse água ali? Aquela moça tem
HIV.”, foi nesse dia que meu coração gelou, sério. Quando cheguei em casa
fiquei pensando nisso o dia todo. Atualmente eu sei que HIV não pega pela água,
que bom, né? Mas eu ainda tenho medo. A minha mãe é traumática e preconceituosa
com algumas coisas, eu tento ser mente aberta e entender.
Sobre o alzheimer, eu só comecei a ter medo este ano. Percebi que estava
esquecendo muitas coisas. Assistia um filme em um dia e no outro já não me
lembrava mais. Aí fiz uma pesquisa sobre a doença na internet e encontrei os
principais sintomas, foi quando meu coração gelou outra vez. Cada vez tenho
mais medo e mais certeza de que vou ter alzheimer no futuro. Isso me
entristece, porque já vi tantos filmes excelentes, tantas séries ótimas, que
não quero me esquecer nunca.
Sobre o câncer, foi por causa da minha mãe de novo. Ano passado eu fiz
um exame de sangue e o resultado do exame mostrou que eu estava com anemia. Eu
não queria comer as coisas que não gostava para melhorar, então a minha mãe me
xingava e dizia que eu iria ter leucemia, que é câncer no sangue. Eu nem
conseguia dormir por causa disso. Passava a noite toda chorando de medo. A
anemia foi embora, mas o medo permaneceu, porque sei que sou propensa, por não
comer muitas coisas que contém ferro.
Tem muitas outras coisas das quais a minha mãe me deixou com medo, mas
depois falo sobre isso.
Mas voltando a falar sobre a minha alimentação, eu não como muitas
coisas saudáveis. Eu gosto da comida clássica, que é composta de arroz, carne e
salada, e só, sem feijão, por favor. Mas isso tudo depende muito da carne e da
salada. Não gosto de carne branca. De peixe eu não gosto, mas como, e frango,
só gosto se for frito. Amo carne vermelha, principalmente bisteca. E sobre a
salada, eu como todos os tipos comuns, mas o meu tipo de salada favorito é o tipo
‘vinagrete’. Fora o padrão, eu gosto de panqueca, charutinho e comida japonesa.
Mas além de todos os que já citei o meu prato preferido para a vida é macarrão
alho e óleo com bacon.
Outra coisa sobre comida é que eu tenho preconceito com a comida dos
outros. Eu quase nunca gosto da comida feita por outras pessoas, só a comida da
minha mãe. E também detesto comida requentada, coisa que aqui em casa, por
conta da preguiça da minha mãe, sempre tem.
Eu gostaria muito de ser vegetariana, mas acho que morreria de
desnutrição. Amo muito os animais, até me sinto culpada em ter que comê-los.
Agora sim quero voltar ao ponto em que comecei a falar sobre as coisas
que tenho medo.
Eu tenho muito medo de ser queimada. Foi um medo que começou quando
assisti um documentário que mostra mulheres vítimas de queimaduras. Algumas que
tinham o rosto todo queimado disseram que ficaram daquele jeito cozinhando.
Depois disso nunca mais cheguei perto do fogão. Tenho fobia. “Mas como você
cozinha, Leandra?”, eu não cozinho e nem quero aprender. Não quero correr o
risco de ter meu rosto todo queimado, obrigada.
Outro medo que eu tenho é o de ser sequestrada, de novo por causa da
minha mãe. Ela nunca me deixou ir à nenhum lugar sozinha. Quando eu era pequena
ela sempre dizia que o homem louco iria me pegar. A maioria dos sonhos que tive
tinham a ver com meu sequestro. Agora não saio sozinha, só com minhas amigas e
com meus pais. Quando tenho que andar sozinha na rua já fico agoniada pensando
que vai vir um maluco e me levar embora. Até dentro de casa, sempre que vou
dormir sempre penso que pode entrar um bandido, sequestrador, sei lá, e me matar,
e matar a minha família. É algo que eu não quero que aconteça nunca.
De medos e fobias que tenho, eu acho que é só.
Uau! Olha só, para quem tem bloqueio criativo três páginas já estão de
bom tamanho.
Eu tenho dificuldade de criar histórias, mas é muito fácil falar sobre
mim. Não me importo com o que as pessoas vão pensar, eu sou assim e quero que
as pessoas me reconheçam pelo que eu sou. E essa deve ser a minha melhor
qualidade no meio de tantos defeitos.
Não entendo essas pessoas que querem parecer legais para as outras. Sei
lá, ou parecerem ser algo que não são. É babaquice, porque você vai morrer.
Eu mostro para as pessoas o que sou, e isso acaba me garantindo boas amizades.
Até hoje eu nunca discuti nem briguei com ninguém. Aliás, eu acho desnecessário
sair no tapa com alguém se eu posso processar. Que fique claro que eu nunca
processei ninguém e nem quero, mas se for preciso...
Não, é brincadeira. Acredito que nunca vou precisar processar ninguém.
Saindo um pouco do assunto, mas continuando nele. Uma coisa que pra mim
é fundamental é educação. Não sei como
meus pais fizeram esse milagre, mas eu nunca consegui ser descortês com as
pessoas. Eu não vejo razão para sair dando patadas em todo mundo porque a tua
vida tá uma merda. Eles não têm culpa. Ao invés de ser grossa com eles, reclame
com eles.
Reclamar é algo que eu gosto. Sempre ouço dizer que não é bom reclamar
da vida, mas eu reclamo sim. Porque reclamar alivia a alma. Não importa se
nosso problema é menor do que o das crianças que passam fome ou de outras
pessoas, porque o nosso problema também é um problema.
Poderia falar de tantos assuntos, mas agora que vi já são cinco horas da
madrugada. Eu preciso ir dormir.
Vou compartilhar este texto com as pessoas porque talvez alguém tenha
uma vida parecida com a minha e queira ser meu colega de reclamações, nunca se
sabe.
Amanhã pretendo tentar escrever a minha história de sete capítulos. Não
fiquem espantados, mas não é uma história sobre mim. É uma história sobre
qualquer coisa, eu quero repensá-la amanhã.
Eu espero que isso tenha curado o meu
bloqueio criativo, no final das contas.
sobre Leandra Diniz por Leandra Diniz.
Ler isso só me fez lembrar o quanto gosto de você. hehe ♥
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